quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Ócio.

A carne atiça o instinto voraz de quem está à mercê da mão por muito tempo. O toque gélido da lâmina atormenta a mesma mão que seduziu com o mesmo toque a mesma carne que um dia esteve a sua mercê. A mesmice do toque um dia entediou a carne, que deixou de preferir a mão e se entregou à lâmina. A mesma lâmina fere a mão, a carne, o toque. O toque ferido torna a mão suja e delibera que a dor é melhor que o afeto. O afeto, por sua vez, com seu orgulho ferido, decide pôr um fim à palhaçada das loucuras reverberantes correspondentes a você, que mais nada tem a fazer.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Perspectiva maternal.

O ventre doía-lhe. Não podia compreender como aquelas palavras desferidas por alguém que tanto amava podiam causar-lhe tamanho dano. Seria a dor do parto? Sim, estava segura. Suplicava silenciosamente por auxílio e a verborragia diante dela não acatava seus gritos. Desesperada, decidiu fingir-se de muda, morta talvez. Inexpressiva, fitava o nada, como se criança fosse, e deixava-se levar pelo ruído bonito que as palavras duras produziam. Subitamente, a cachoeira de sons se transformou num silêncio infinito, um grande vazio que até hoje não consegue explicar; está a pairar por esse abismo, onde tenta nada tocar, para que não se desperte e atribua à consciência seu devido pesar.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Follow the flow.

"ô, chuva vem me dizer"
devaneios alheios à realidade enquanto o som faz os tímpanos vibrarem, fluxos livres, inconscientes.
"se acabar meio abandonado"
por um grande amor, já não chora mais. começo de histórias que poderiam ter sido e são, na realidade, fora dos caracteres perdidos. um grande amor já tem, um grande amor mantém.
"sometimes i feel so happy"
embora cansado, sim, "so happy". o que me faz falta? nada, além de dinheiro. papai noel, quero milhões de natal.
"linger on your pale blue eyes"
e tão bonitos olhos e tão grande felicidade me trazem e tão azuis são, que se tornam verdes. e tão profundos são, que me perco neles, e tão maravilhoso é perder-me e tão extraordinário o conjunto que é.
"solidão é lava que cobre tudo"
chocolate meio-amargo, jiló, desilusão.
"danço eu, dança você na dança da solidão"
uma cumbia, uma salsa, o sambinha da filosofia, o passado.
"não me esqueço do passado"
ah, eu me esqueço! graças ao bom Deus.
beijosdesliga.

[+] Marisa Monte - Segue o seco
[+] Marisa Monte - Pale blue eyes
[+] Marisa Monte - Dança da solidão

terça-feira, 14 de agosto de 2007

sábado, 28 de julho de 2007

Contando as horas.

E as estrelas no céu nublado.
O grande truque da saga é você, que tornou a luz dos astros desnecessária, que livrou-me da calefação artificial e me fez tão ridiculamente piegas que até Álvaro de Campos teria orgulho.
A dominação era iminente, abri as portas, você entrou. Agora tento envolvê-lo no meu cárcere, recebendo a enorme surpresa de que não preciso prendê-lo; de certa forma também me adentrei em suas entranhas metafísicas e aí me fixo com minhas ventosas insaciáveis de você.
Meu caro, Fizeste-me a Elucidação Lacônica, o Ímpeto Peremptório e, entretanto, Errante.

[+] Adriana Calcanhoto - Fico assim sem você

terça-feira, 10 de julho de 2007

Me creí todos tus cuentos.

Se nota, mi sonrisa se ve algo cansada y mis ojos ya no tienen la visión que solían tener. Cúando las canciones de amor ya no te suenan, buscas lo que no posuyes, haciendo lo que no quieres, para conseguir lo que nunca te va a alcanzar: vente, pasión!

[+] La quinta estación - Tu peor error

quinta-feira, 5 de julho de 2007

É tão lindo.

Por que as pessoas têm de ser tão complicadas?
beigosreflitä.

[+] Shakira - Underneath your clothes

segunda-feira, 2 de julho de 2007

A morada.

Uma caixa, um cubículo, uma jaula com portas, janelas e passes livres de entrada e saída. Tudo é possível, tudo é perfeitamente plausível e real. Seu sonho realizado, sua agonia constante... A liberdade é tão sólida que se faz sentir pelo toque e, sim, é áspera, arranca a epiderme sensível de quem nunca se deixou encostar, de quem sempre fingiu ter tudo que queria e sempre foi inseguro demais para exibir sua ambição tola. Tolice, que o traz ao chão quando se vê voando entre as nuvens macias. Inexperiência, que o ilude com tudo o que é maior ou aparentemente inofensivo. Rebeldia, que o leva adiante. Medo, que freia abruptamente todas as vontades imediatas. Solidão, que revela o estado natural, a essência, toda vulnerabilidade que pode-se ter.
Felizmente nesses casos, a chaga nunca é tão funda que não possa ser curada, logo a casa está cheia e a carceragem própria se encerra em sua melancolia tão infundada quanto um cigarro que se queima em vão.

[+] Al Green - Ain't no sunshine when she's gone

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Da simplicidade.

O simples faz muita falta no contexto diário de um escorpiano dramático (olha o pleonasmo!) como eu. Relações simples, conversas simples, situações simples, nada que fuja ao normal, tudo o que é clichê: quero pra mim.
Não, não me engano, sei que nunca me daria por satisfeito com um cotidiano pacato; a grande questão é a minha insistência em tentar converter o que é simples em medíocre e tentar, também, sustentar um arzinho blasè que não coincide com meu sorriso quase permanente de aeromoça. Isso me incomoda, ainda que perceba que o equilíbrio entre a normalidade e o carão seja meu ideal.
Não quero ser igual a você, tampouco quero ser igual a mim, fútil e simples assim.

[+] Rachael Yamagata - I wish you love

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Da raiva.

Raiva, nojinho, picuinha, irritação, faniquito, coceirinha.
Eu brigo comigo, tenho raiva de mim. E não é aquele cansaço da convivência diária com um mesmo indivíduo, é a falta dele, é a inconstância, é a indecisão, é o indizível, é a essência inexistente e a marcante presença da humanidade, do tangível, da carne, do desejo, da ânsia e da certeza, certeza da insignificância.

[+] Roxette - Listen to your heart

sábado, 10 de fevereiro de 2007

"Ai, menino, vou te apresentar fulano!"

"Fulano é lindo, bem educado, se veste bem, é superdiscreto e vai te adorar!"
Tenho medo de conversas que começam ou terminam assim.
Geralmente, Fulano revela-se Cicrano. Cicrano é feio, sem noção, brega, escandaloso e [ou eu sou muito míope quando se trata de relações interpessoais, ou as pessoas têm um jeito muito diferente de demonstrar afeição] me odeia à primeira vista.
Por favor, não me apresentem ninguém.

[+] Pat Benatar - Love is a battlefield

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Eu sei.

Eu sei que será, eu sei que tudo vai dar certo, eu sei que a felicidade existe, eu sei que meu futuro é promissor, eu sei que tenho potencial, eu sei que sou estável, eu sei que posso me manter assim, eu sei que tudo é relativo, eu sei que amor infinito não existe, eu sei que a paixão passa um dia, eu sei que você não me quer.
Cansei das certezas, das muralhas que escondem toda a fragilidade que construí.
Eu sei?

[+] Maria Taylor - Song beneath the song
[+] Tegan and Sara - Where does the good go

Da necessidade de psicanalistas e blogs.

É, você sabe que precisa de uma analista quando cria um blog. [Pausa para ligar para o consultório]. O que é essa necessidade de exposição e vulgarização dos problemas e alegrias da vida alheia? Sinceramente, não sei explicar os fatores que envolvem todo o processo, nem o que nos leva a entrar neste, só posso dizer que gosto, gosto muito da normopatia cibernética que se instalou no meu, no seu, nos nossos lares e cabecinhas que se perdem nos mais profundos ócios [nada criativos]. No meu caso, a eterna busca por compreensão sempre acaba num copo de drink do inferno que não poderia ser mais vago, ainda assim, sigo procurando [e me embebedando].

[+] The Cure - Close to me